Título da redação:

Por uma outra civilização

Proposta: Foro privilegiado: privilégio pessoal ou proteção do exercício de função?

Redação enviada em 31/03/2018

“Vou-me embora para Passárgada, lá sou amigo do rei, lá tenho a mulher que eu quero, na cama que escolherei... Em Passárgada tem tudo. É outra civilização...”. Essas inesquecíveis palavras de Bandeira, embora sejam uma crítica alegórica, remetem à aspiração humana de viver em uma sociedade que ofereça proteção e bem-estar social. Em vista disso, o uso subvertido do foro privilegiado pelas autoridades adentra no âmago da instabilidade social, por ir de encontro ao princípio fundamental da democracia: a isonomia, na qual todos deveriam estar sujeitos às mesmas leis e normas. De fato, deliberar sobre os meios para combater esse problema é medida imperativa. Antes de mais nada, no que tange a esses abusos, o historiador brasileiro Sérgio Buarque de Holanda vê no passado colonial a origem da propensão do brasileiro em confundir os limites entre o público e o privado, no conceito que chama de “homem cordial”. Essa cordialidade imoral, antes presente no despotismo descarado e nas trocas de favores coronelistas, resistiu ao tempo, de modo que persiste no uso do foro privilegiado, um bem público, para o fim individual de beneficiar-se do julgamento lento desse tipo de processo no STF. Desse modo, é inadmissível que tal prática continue existindo em um país que anseia por eficiência estatal e democracia de direito. Além disso, não obstante a complexa conformação política do país, é evidente que o uso indevido da prerrogativa de função presente no Brasil hodierno é sequela de uma má administração legal. A Constituição Federal de 1988 é a maior prova disso, pois, apesar de figurar entre os textos mais amplos de garantias individuais, apresenta dissenção entre teoria e aplicabilidade, não atendendo à realidade do país. À vista disso, o âmbito jurídico brasileiro acaba por perpetuar a ocorrência da utilização desse direito como manobra para fugir das sanções da lei, uma vez que a impunidade dá brechas ao descumprimento da norma, que, ao invés de doutrinar a sociedade no que tange à ética — que, conforme Kant, é a satisfação de leis universais justas e aplicáveis —, corrobora à demagogia velada em uma lei inoperante. Posto isso, entende-se que adaptar os dispositivos legais à realidade do país e impulsionar uma mudança na mentalidade “cordial” sãos os caminhos mais acertados para suplantar os desvios no uso do foro privilegiado. Para tanto, o Governo Federal, por meio de políticas públicas subsidiadas pela Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos (SPI), deve agir em duas frentes: uma compete à esfera jurídica nacional, que tem de aparar as arestas da lei que permitem a perpetuação dessas artimanhas, bem como melhorar a qualidade dos serviços públicos de fiscalização jurídica e aumentar a eficiência dos processos no STF. Outra, compete ao Ministério da educação, e seria a aplicação da práxis na educação, voltada para a reflexão do aluno. Para isso, seria necessário que, além dos conteúdos já administrados na escola, houvesse, também, laboratórios e oficinas para as ciências sociais, nos quais os alunos pudessem discutir situações-problema e chegar a soluções satisfatórias para a coletividade, desenvolvendo, assim, o senso crítico e alterando essa mentalidade de “homem cordial”. Dessarte, o Brasil estará abraçando o caos que a impunidade gerou e eliminando os entraves que impedem a ação da justiça. Observadas essas ações, o Brasil se tornará “uma outra civilização”, para onde desejava ir Manuel Bandeira.