Mário de Andrade, poeta da primeira geração modernista, retratou em seu poema O Bicho a realidade perversa de homens, que de maneira similar aos animais que reviram o lixo, buscam comida entre os detritos. Essa denúncia é pertinente, no século XXI, uma vez que a problemática persiste. De maneira contraditória, o Brasil desperdiça 40 mil toneladas de alimentos por dia, conforme dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária ( Embrapa). Diante de tal paradoxo inaceitável, torna-se evidente a necessidade de maior engajamento na minimização das perdas alimentícias, no combate à fome e na redução dos impactos ambientais. O desperdício de alimentos integra todo o processo anterior ao consumidor final e, por sua vez, continua a acontecer nos lares desses indivíduos. Quando ocorre essa perda, os investimentos em mão de obra, energia, transporte e processamento se tornam desnecessários, na medida em que não se traduzem em lucratividade. Além disso, num país que possui 7,2 milhões de sua população passando fome, segundo o Instituto de Geografia e Estatística (IBGE), a existência de contingentes alimentícios descartados demonstra uma irresponsabilidade social. Ademais, todo o lixo orgânico contribui para a emissão de gases do efeito estufa, bem como para a formação do chorume que contamina o solo e os lençóis freáticos. A produção de alimentos, também, promove impactos ambientais significativos, como a criação de gado que utiliza grandes parcelas territoriais para pastagens, devastando a vegetação nativa e ocasionando no lançamento de metano para a atmosfera por meio da fermentação no rúmem do bovino. Logo, a cultura do descaso com o desperdício desconsidera o quanto o acumulo de ações inconsequentes é nociva para a natureza. Entende-se, portanto, que órgãos como a Embrapa devem otimizar sua atuação no que diz respeito a transferência de tecnologias e medidas de aproveitamento eficiente da produção nas propriedades rurais. O Ministério do Meio Ambiente deve nacionalizar programas de coleta e aproveitamento de lixo orgânico, como a compostagem. Ademais, as peças publicitárias, que possuem grande influência sobre os comportamentos dos cidadãos, devem divulgar a necessidade de comprometimento desses com a redução do desperdício. No que se refere ao combate à fome, iniciativas como o Programa Mesa Brasil e o Desperdício Zero devem ampliar sua atuação, por meio de investimentos estatais e privados.