Título da redação:

O silêncio que realmente incomoda é a exclusão

Tema de redação: ENEM 2017 - Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil

Redação enviada em 28/02/2018

A novela “A Metamorfose”, de Franz Kafka, ao descrever a rejeição, pela própria família, de uma pessoa que transforma-se num “inseto monstruoso”, ilustra a dificuldade que a sociedade tem de assimilar aquilo que lhe parece estranho. Fora da ficção, pode-se afirmar que a incapacidade de oferecer uma formação educacional para os surdos tem se mostrado uma realidade presente no Brasil devido, em grande parte, a um isolamento linguístico, o qual ainda é potencializado por um modelo exclusivo de educação que, por conseguinte, precisa ser revisto. Em um primeiro momento, é fundamental destacar o papel da linguagem na construção do homem e sua realidade. Rubem Alves dava a dimensão desse papel ao dizer: “aprender o mundo humano é aprender uma linguagem, pois os limites de minha linguagem denotam os limites de meu mundo”. Nesse sentido, ao considerar que, apesar da Língua Brasileira de Sinais (Libras) ter, por lei, a condição de 2ª língua oficial do país, na prática, há muito pouco engajamento da sociedade quanto ao seu uso; pode-se inferir que, em desacordo aos ideais inclusivos da Constituição Cidadã, tal barreira linguística é um grave limitador à liberdade dos surdos e, mais que cerceá-los de direitos civis, como assistir aulas, impede-os de expressar-se entre os não surdos, pois é através da linguagem que compartilha-se as emoções, as experiências, o próprio mundo humano. Em tempo, vale também observar que, por esse prisma, todos perdem, uma vez que ignorar a Libras e a cultura surda é também, para o não surdo, desperdiçar uma oportunidade de tanto se transformar como de se conhecer, pois, além de ser uma porta para um novo mundo, é mediante o contato com o diferente que consegue-se despertar a própria consciência de si. Para agravar ainda mais essa situação, outro fator que potencializa a condição de isolamento, ou de “monstro kafkiano”, à população surda é a adoção do modelo exclusivo de educação. Segundo dados do Inep, o número de matrículas de surdos nas escolas tem caído continuamente nos últimos 6 anos, principalmente nas classes especiais das escolas exclusivas, cuja queda chegou a 50%. Tal dado pode indicar tanto a falta de infraestrutura e capacitação profissional como também o próprio obsoletismo desse modelo educacional, o qual, ao manter os surdos isolados do restante da população e desencorajar o contato entre os diferentes, inibe, ainda mais, a difusão da Libras bem como fomenta a intolerância, o preconceito e alienação na sociedade, visto que, conforme Milton Santos, esses se fortalecem a medida que os membros de um meio perdem a capacidade de identificar o que os une e passam a reconhecerem-se apenas por aquilo que os separa. Por fim, para mudar essa situação, o MEC deve descartar os modelos exclusivos e passar a investir em modelos inclusivos de educação. Algumas maneiras de efetivar essa ação seriam: em conjunto com o Ministério do Trabalho, criar um programa de incentivo a capacitação profissional para intérpretes de Libras, mediante o Senac, a fim de prover as classes comuns de mediadores nessa língua; ofertar cursos de Libras na rede regular de ensino bem como bonificar alunos e professores que participem desses cursos; e, por intermédio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), criar parâmetros para que as escolas possam adaptar os currículos a cada indivíduo surdo, com foco, não em suprir as suas carências, mas em desenvolver as suas potencialidades. Tudo isso com o fito de promover um maior contato entre os diferentes; disseminar a Libras nas escolas e na sociedade; assim como torná-las meios menos inóspitos aos deficientes auditivos a medida que também possam flexionarem-se e adaptarem-se a esses e não apenas o contrário.