Indígenas, negros africanos, portugueses e outras nações europeias todos contribuíram para a formação do povo brasileiro. Partindo dessa premissa, pode-se afirmar que a única palavra capaz de sintetizar tamanha diversidade é "miscigenação". Contudo, o amálgama etnológico não se traduz em sincretismo cultural e sim em apropriação, a qual consiste na adoção de elementos culturais típicos de um grupo, em sua maioria minoritário, por um dominante. O fator desencadeante do referido fenômeno no Brasil é o racismo. Legado de uma colonização exploratória e escravista, bem como reforçado por políticas de branqueamento ocorridas no século XIX, o racismo persiste no século XXI. É a partir desse passado histórico que advém a ideia de superioridade da raça branca brasileira. Outrossim, o caráter velado e aparentemente sutil dessa prática discriminatória, diferentemente da segregação racial que existiu nos Estados Unidos, concorre para o fortalecimento da ideologia de proeminência. Aliás, é justamente devido a essa disparidade que surge o mito da democracia racial do sociólogo Gilberto Freyre, o qual refuta a existência de preconceito no Brasil. Amplamente divulgada pelas elites, esta falácia corrobora para com os interesses das mesmas, na medida em que perpetua sua preponderância sob a aparência de "vitimismo" dos que são afetados pela hostilidade secular. Por conseguinte, os grupos dominantes, ao se depararem com a cultura negra, apropriam-se dos elementos que lhes são convenientes, pois o ideal soberbo não os faz refletir sobre as consequências desse ato. Ao invés de promoverem uma integração das duas culturas, utilizam indiscriminadamente alguns atributos minoritários, a exemplo convém citar o turbante, que tem se transformado em acessório. Desse mau uso decorre o esvaziamento de símbolos de resistência aos padrões impostos, visto que determinados ícones perdem sua conotação de orgulho negro e passam a ser puramente estéticos. Essa perda de significado acarreta o enfraquecimento das lutas sociais em prol de uma igualdade racial, caracterizando uma violência simbólica, conceito do sociólogo Pierre Bourdieu que designa os danos morais provocados por uma violência que não se dá de forma física. Desse modo, o uso de elementos culturais negros por grupos majoritários não contribui para o fim da estigmatização daqueles e sim reafirma os privilégios destes. Em suma, observa-se que a ocorrência de apropriação cultural no Brasil deve-se ao racismo, A fim de transpor o referido impasse, fazem-se imprescindíveis o combate ao racismo e a proteção da cultura negra. Um maior estímulo a lei de cotas torna-se extremamente pertinente para que o acesso à educação balanceie as oportunidades tiradas pela discriminação. Ademais, seria interessante a implementação obrigatória, por parte do MEC (Ministério da Educação) junto ao Governo Federal, de aulas que desvendassem os mitos criados acerca dessa cultura, o que contribuiria para o fim da estigmatização.