A questão das crianças sem lares é um problema que não tem fronteiras; é um problema que até mesmo países considerados desenvolvidos lidam com. Não é de se esperar, portanto, que países em desenvolvimento, como o Brasil, não tivessem de lidar com esse. Após anos de combate, o sistema adotivo brasileiro conquistou espaço, no que se diz à resolução do problema; e, agora, já existem mais famílias interessadas em adotar, do que crianças a serem adotadas. Mesmo com essa enorme conquista, ainda, esse, se configura como sério, devido às restrições impostas pelos adotantes, que, em sua maioria, visam um ideal de família perfeita, deixando a maioria dessas crianças, desamparadas no sistema. Esse ideal é imposto pela sociedade aos próprios indivíduos que a constituem. Essa, por sua vez, é herança direta de um período escravista, ou seja, possui uma alta sociedade predominantemente, involuntariamente ou voluntariamente, racista. Isso atua diretamente na preferência pela a adoção de crianças brancas, impondo restrições às negras, as quais são maioria no sistema devido a mesma herança escravista que as impede de serem adotadas. Outro ponto desse ideal é a necessidade de recriar todo o cenário de uma família "natural", onde os filhos são criados pelos pais desde seu nascimento, vinda daí, a preferência por crianças mais jovens, com no máximo um ano, impondo restrições às mais velhas. Restrições, essas, as quais, mais uma vez, não retratam a realidade do sistema, que é composto em sua maioria por crianças com idade superior, devido ao fato de que a maioria não é, como se pensa, advinda de abandono direto, mas, sim, de lares problemáticos ou situações problemáticas. Assim, para que haja uma solução efetiva para tal questão, é necessário desconstruir o ideal de família perfeita. Mas como uma tomada de consciência espontânea e generalizada é utópica, é necessário que se invista na educação, com ensino que promova a capacidade de pensar, evitando que sejamos facilmente manipulados pela pressão social. Desse modo, é possível que a proporção de seis adotantes pra um a ser adotado, conquistada pelo sistema adotivo brasileiro, tenha algum significado verdadeiro, e, de fato, represente uma evolução da resolução da questão das crianças sem lares; e, não, somente mais uma estatística que comprova a força da opinião - Como apontou Machado de Assis, " a grande cola das relações sociais"- e da herança racista, na sociedade brasileira.