Título da redação:

Nossos médicos e a falta de conformalidade com a OMS

Tema de redação: O parto como questão de saúde pública no Brasil.

Redação enviada em 07/08/2015

O parto é uma das manifestações mais patentes da vida. É interessante notar como semelhante manifestação está envolvida em vários extremos antipodais de uma mesma face: se por um lado se emana a vida, por outro se teme a morte; se por um lado, rutila a felicidade auspiciosa da mãe na sala, por outro, reverbera alí seu inconsolável desespero de dor; se por um lado o potencial regozijo de um novo futuro já enternece as almas dos familiares, por outro, já se vaticina a profusão de vindouras responsabilidades. Certos profissionais de saúde, e aqui destaca-se o obstetra, dedicaram suas vidas no acúmulo de conhecimentos para amenizar a tensão gerada pelos dois primeiros pares de antipodais supramencionados. Formalmente, o interesse precípuo de qualquer intervenção médica é amenizar o sofrimento do paciente. Isso pode ser interpretado como efetivar a cura de certa doença, ou mitigar seus sintomas, ou até mesmo, em último caso, anestesiar a paciente antes da morte. A OMS, vinculada à ONU, é um dos organismos oficiais encarregados de sugerir recomendações cientificamente embasadas para protocolos médicos. Nesse contexto, segundo a OMS, o parto cesariano deve ser evitado caso seja possível. Em termos de números, isso significa que em torno de 85% dos partos deve ser vaginais (normais). Questiona-se então o porquê de não ser este o índice observado aqui no Brasil. Naturalmente, há diversas vantagens logísticas e remuneratórias do ponto de vista do médico no parto cesariano. Primeiramente, o parto normal costuma ser mais demorado que o parto cesariano, como o valor pago ao médico é sobretudo calculado por intervenção, é provável que ele seja melhor remunerado se optar pelo parto cesariano. Além disso, o parto cesariano pode ser realizado com prévia marcação de cirurgia, enquanto o parto normal possui um critério mais estocástico. Finalmente, o parto cesariano exige potencialmente menos improvisação do médico, já que toda a sequência de passos é protocolada e estudada exaustivamente na residência médica. Vale observar que existem vantagens para o médico e para o pacience também, todava a balança tende claramente para o lado do médico. Paralelamente, a confiança depositada pela paciente em seu obstetra, possivelmente pela sua própria ignorância nos assuntos mais técnicos envolvidos, cimentam uma relação unilateral de submissão. É relativamente crível que boa parte dos médicos agem de boa fé, porém, como são humanos passíveis de erros, egocentrismo e qualquer vício da humanidade, pode-se questionar se o desvio da recomendação da OMS tem de fato natureza lícita. Uma possibilidade para atacar o problema do desvio das recomendações da OMS é aumentar a eficiência de nossos organismos de fiscalização. No Brasil, para cada estado, temos o seu respecitvo conselho regional de medicina. Esse organismo expede os CRM dos médicos, pré-requisito para exercer-se a medicina no estado, e tem uma grande influência política perante a categoria. Se cada conselho regional aceitasse ampliar seu papel de fiscalização, mesmo que para isso tivesse que angariar mais recursos do estado, as possibilidades de garantir a conformidade aos padrões sugeridos pela OMS iria aumentar. Seria de fundamental importância, outrossim, adotar uma cultura de transparência pública. No currículo do médico não há dados profissionais de cunho negativo, muito embora essses possam ser de grande utilidade informativa. Novamente, o conselho regional de medicina poderia manter uma base de dados, divulgada na rede de computadores (internet), com a porcentagem de partos normais e cesarianos realizados por cada médico e aquela sugerida pela OMS. É verdade que um aumento da fiscalização pode não ser o desejo dos médicos em sí, porém, o grande respeito que a sociedade notadamente tem por esses profissionais acompanha obrigatoriamente conspícuas exigências e responsabilidades. Além disso, o médico também pode se tornar paciente um dia e beneficiar-se de semelhante fiscalização.