A obra “Capitães de Areia”, do autor Jorge Amado, acompanha um grupo de jovens moradores de rua, que, abandonados socialmente, lutam por sua sobrevivência. Decorridas décadas desde esse marco na literatura brasileira, o número de indivíduos em situação de rua continua a crescer no país, evidenciando um problema sistêmico. Fatores de ordem política, bem como social, caracterizam os desafios quanto à integração desses cidadãos à sociedade. É importante pontuar, de início, a negligência dos governos em relação aos moradores de rua. À guisa do sociólogo Durkheim, o Estado é responsável pela garantia da coesão social. Na realidade brasileira, entretanto, vive-se o descaso das políticas públicas na organização da sociedade, como é percebido nos altos índices de pessoas em situação de rua, que, segundo o Ipea já correspondem a 100 mil indivíduos. Nesse contexto, a desordem nas cidades brasileiras, com o crescente número de desabrigados, é impulsionada por posturas estatais improvidentes. Tal fator é ratificado pela decisão do prefeito de São Paulo, em 2017, de expulsar moradores de rua de regiões centrais da cidade, negando a possibilidade de auxílio a esses cidadãos. Outrossim, tem-se a influência do modo de vida contemporâneo no descaso quanto às pessoas vivendo nas ruas. Conforme o pensamento de Zygmunt Bauman, a modernidade é caracterizada pelo individualismo, em que noções de coletividade tornam-se escassas. Nesse sentido, a exaltação do “eu” acarreta no descuido frente a questões sociais maiores. Essa situação é amplamente percebida na invisibilidade dos moradores de rua aos demais brasileiros, que, além de não discutirem essa temática, permitem que esse sério problema do Brasil continue crescendo exponencialmente. É notória, portanto, a relevância de fatores políticos e sociais na problemática supracitada. Nesse viés, cabe aos governos municipais, por intermédio dos órgãos responsáveis, promover o auxílio a esses cidadãos. A ideia da medida é, a partir de pesquisas voltadas aos moradores de rua, oferecer cursos profissionalizantes, moradias provisórias e ajudas financeiras a esses indivíduos. Ademais, cabe à mídia, enquanto difusora de novos comportamentos e opiniões, destacar na sociedade a situação de muitos brasileiros que vivem nas ruas. Essa intervenção deve contar com propagandas educativas e telenovelas que abordem o assunto com o intuito de conscientizar a população das mazelas brasileiras e provocar o debate acerca de formas de contornar esses impasses. Assim, talvez, o Brasil conseguirá superar o enredo escrito por Jorge Amado, que seguramente ainda transmite um grande infortúnio brasileiro.