Um antigo conto persa narra a viagem de três príncipes pela região de “Serendip”. Durante a jornada, esses nobres foram surpreendidos por diversos acontecimentos, que os levaram a aprender valiosas lições. Infelizmente, no mundo moderno, as redes sociais têm mitigado essa capacidade de se obter descobertas aleatórias. Ademais, é possível que, na vida em rede, a percepção do que seja uma escolha livre esteja se perdendo. Por consequência desse conto persa, surgiu em língua inglesa o termo “serendipity”, o qual não possui equivalente na “última flor do Lácio”, que significa a influência do acaso na vida. É possível afirmar, então, que o poder do acaso levou o homem a importantes descobertas, como o desenvolvimento da penicilina ou, inclusive, a chegada da frota colombiana à América. No entanto, nas redes sociais, os achados (como um “pop-up” que surge de repente na tela) não advém do acaso, e, sim, de “algoritmos de mineração de dados”, que “garimpam” as informações do usuário para personalizar a rede social. Porém, talvez a mais grave consequência do uso de algoritmos de mineração de dados seja a possibilidade de gerar uma falsa percepção do que seja fazer uma escolha livre. Na medida em que os algoritmos expõem ao usuário apenas informações do próprio interesse dele, a opinião e, por conseguinte, as escolhas do usuário podem ser manipuladas. Isso pode ser muito perigoso para os brasileiros, especialmente em anos eleitorais, tal como supostamente ocorreu durante a última eleição presidencial estadunidense. Além da manipulação do eleitorado brasileiro, outra questão pertinente é a ausência do cotejamento de opiniões diversas para um usuário de rede cujo perfil somente receba notícias “viciadas”, ou seja, dentro do interesse do próprio usuário. Consoante o filósofo Nietsche, não há uma verdade única, pois ela pode ter várias interpretações. Assim, o confronto de ideias é necessário para decidir livremente qual “verdade” seguir. Dessarte, a mineração de dados pode levar o usuário da rede à ilusão de ser livre para fazer escolhas, conquanto preso ao próprio mundo particular. Logo, a fim de evitar efeitos danosos da mineração de dados (similares a manipulação de eleições ou a ocultação de fatos relevantes de interesse público), a União, por meio da representação diplomática, pode propor um amplo debate entre as Nações Unidas e as empresas globais de redes sociais (como o Facebook e o Twitter) acerca do poder influenciador dessas redes e da limitação da mineração de dados. Dessa forma, os brasileiros e os demais usuários de redes sociais, assim como os nobres persas do conto de “Serendip”, não perderam a influência benéfica do acaso, tampouco a capacidade de tomar decisões livres.