A vida em uma favela não é nada fácil: em meio à rotina sofrida de quem não tem muita opção, os sons frequentemente ouvidos são oriundos de tiroteios, do clamor das crianças famintas e de pais que choram a morte dos filhos. Nesse ambiente, as dificuldades, o medo e a humilhação são presenças constantes, e o sonho de ser alguém desaparece no abismo social que separa os moradores das oportunidades. Entretanto, apesar dos inúmeros obstáculos, a esperança, personalizada em acordes musicais, passou a visitar os morros brasileiros com frequência, levando luz e possibilidade a diversos jovens, todos ansiosos por um futuro melhor. Ao contrário do que se possa imaginar, as comunidades pobres são redutos de grandes talentos, infelizmente tolhidos pela extrema necessidade, pela desigualdade social e pela violência urbana desmedida. Cientes disso, os gestores da organização não governamental ‘Ação Social pela Música do Brasil - ASMB’ resolveram atuar em algumas favelas brasileiras, levando a música clássica até crianças e jovens em situação de vulnerabilidade. De uma maneira totalmente inclusiva, os profissionais filiados à ASMB oferecem aulas sobre instrumentos musicais, prática orquestral e teoria musical. Esses ensinamentos, por sua vez, ultrapassam o comum, pois são repletos de valores fundamentais à cidadania, tais como o empenho, a disciplina, e a convivência pacífica e respeitosa com os colegas de classe. Não obstante os ganhos citados, o aprendizado musical estimula nos jovens o empreendedorismo e a necessidade de aperfeiçoamento técnico no universo da música, passos fundamentais à profissionalização dos mais aptos. Outrossim, o contato próximo e ativo dos alunos com a música favorece o aprimoramento cognitivo dos mesmos, uma vez que permite a melhoria da audição, da fala, da dicção e da coordenação motora deles, conforme afirma o psicólogo Breno Rosostolato, especialista em desenvolvimento infanto-juvenil. Além disso, os benefícios do ensino da música extrapolam os ganhos individuais, estendendo-se às famílias e também às comunidades, visto que os alunos de música mantêm-se ocupados, longe das más influências e da criminalidade circundante. Isto posto, não é demasiado afirmar que o ensino de música é sim um aliado relevante no combate à violência urbana, uma vez que ele impede que o narcotráfico recrute mais adolescentes para os seus exércitos. Consequentemente, a prática da música clássica, em especial nas favelas, auxilia na dissolvição do estigma social caracterizado pela pobreza e a marginalidade, substituindo-o por uma identidade cultural digna, repleta de potencial criativo e de contribuição cultural à sociedade. Logo, tendo em vista os inegáveis benefícios decorrentes do ensino da música, caberá às universidades especializadas o desenvolvimento de projetos sociais que permitam a distribuição de bolsas de estudo mediante a triagem e o recrutamento de crianças e de adolescentes carentes que apresentem vocação para a área. Em contrapartida, o Ministério da Educação deverá incluir a prática musical como disciplina opcional no currículo nacional do ensino médio, permitindo a contratação de professores e a aquisição de instrumentos às escolas, a fim de possibilitar o acesso à prática musical daqueles que demonstrem interesse. Finalmente, uma vez que existam meios de acesso à arte, é possível que os sons oriundos do sofrimento vivido nas favelas sejam, enfim, abafados pelos acordes melódicos da esperança.