José Saramago, em "Ensaio Sobre a Cegueira", relata futuro distópico no qual, repentinamente, grande parte da população torna-se cega. Na obra, o mundo passa a ser caótico e as pessoas precisam de ajuda para realizarem tarefas básicas que, antes, consideravam triviais. Um paralelo entre o livro e a realidade brasileira contemporânea pode ser traçado, já que em ambas há despreparo e dificuldades para inserir, nesse todo, uma pessoa deficiente. Nesse contexto, é preciso identificar quais causas impedem a promoção da acessibilidade no Brasil para atenuá-las. A princípio, o mau uso dos recursos enviados para adequação da estrutura das cidades para atender essa parcela da população é a causa matriz do problema. Esse dinheiro, enviado pelo Governo Federal, é destinado à adaptação de ruas, calçadas, escolas e diversos outros ambientes públicos. Entretanto, a má gestão que desvia esse recurso impede que isso ocorra. Nesse sentido, atravessar uma rua, por exemplo, é um desafio para um deficiente visual, uma vez que a maior parte dos semáforos não emite sinal sonoro. Isso prejudica milhões de pessoas, já que duas em cada dez pessoas possuem algum tipo de deficiência, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Atrelado ao mau uso do dinheiro destinado à acessibilidade há a falta de empatia de boa parte da população. É bastante comum, por exemplo, vagas de estacionamento destinadas às pessoas com algum tipo de deficiências serem ocupadas por pessoas que não possuem essa condição. Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, explica esse tipo de atitude em seu livro ‘’Modernidade líquida’’. Para ele, atitudes que ferem os direitos de outras pessoas podem caracterizar o individualismo, que, por sua vez, é o problema maior da sociedade pós-queda do muro de Berlim. Em contrapartida, leis foram criadas para que, diferentemente do que ocorre na obra do escritor português, as pessoas possam ter uma rotina mais adequada. O exemplo mais recorrente é a lei das Cotas, que reserva um determinado número de postos de trabalhos para pessoas com deficiência em empresas com cem ou mais funcionários. O fato de haver obrigação legal de inserir o deficiente na sociedade é um grande avanço, contudo, leis como essa precisam ser fiscalizadas para que o seu cumprimento seja garantido. Nesse contexto, o Governo Federal deve fiscalizar e assegurar o cumprimento das leis de acessibilidade, de modo a garantir que essas pessoas usufruam do seu direito. Para tanto, e necessário haver punições para empresas que desrespeitam as leis das cotas. Ademais, é fundamental que o setor de planejamento das cidades aloque os recursos destinados à acessibilidade de forma consciente e clara, promovendo ambientes acessíveis a todos. Por fim, é indispensável que as escolas e os pais ensinem a prática da empatia desde a infância às crianças, para que as leis e os direitos sejam respeitados. Desse modo, a sociedade brasileira atual não enfrentará problemas semelhantes aos retratados por Saramago.